Projeto de Lei n.º 812/XIV/2ª – Altera o Regime Jurídico-Laboral do Teletrabalho
(19ª alteração ao Código do Trabalho e 1ª alteração da Lei nº 98/2009, de 4 de setembro, que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais).
https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=110725
Exposição de Motivos
A codificação da lei laboral e a sua autonomização face ao direito civil comum, deu origem a uma regulamentação que abrange um conjunto de princípios e de instrumentos muito relevantes para uma regulação do mundo laboral que se caracteriza por um conjunto de particularidades muito próprias, nomeadamente a de promover um equilíbrio justo entre partes cujos interesses são, aparentemente, desequilibrados, e até opostos, mas cujo balancear e encontro são decisivos para bem defender o bom relacionamento, estabilidade e progresso de ambas as partes.
A garantia da manutenção e a necessidade de salvaguardar a estabilidade do quadro normativo, nomeadamente quanto aos princípios, é essencial para o equilíbrio das relações laborais e para a manutenção da paz social. Contudo, importa ir adequando a legislação laboral à realidade que, a cada momento, se vai impondo à sociedade em geral e ao mundo do trabalho em particular.
Assim, relembramos que o teletrabalho foi introduzido no ordenamento jurídico português em 2003, pelo Código de Trabalho de 2003(CT2003), aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto, inspirado no Acordo-Quadro Europeu Sobre Teletrabalho, de 16 de julho de 2002, tendo sido um dos primeiros países da europa a regulamentar esta matéria para o setor privado.
Atualmente, o teletrabalho está regulado no Código de Trabalho de 2009, na sua redação atual, nos artigos 165.º a 171.º. Desde então, não se justificou qualquer revisitação profunda ao regime jurídico do teletrabalho dada a sua expressão residual. Contudo, a pandemia da COVID-19 veio inverter esta situação; o teletrabalho que até aqui era residual para muitas empresas e para muitos trabalhadores, massificou-se e foi utilizado como medida de saúde pública.
Desde março de 2020, Portugal foi confrontado com uma crise pandémica que rapidamente se transformou numa crise económica e social profunda, que obrigou à adoção de medidas diversas, e em diversas áreas, com o intuito de mitigar os efeitos da pandemia, designadamente conter a transmissão do vírus.
Assim, e nesse sentido, foi publicado o Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, que veio estabelecer regras excecionais e transitórias de organização do trabalho, entre elas a de que o teletrabalho passaria a ser determinado unilateralmente, por uma das partes, pelo empregador ou a requerimento do trabalhador, sem que houvesse a necessidade de acordo das partes, desde que compatível com as funções exercidas.
Seguiram-se, ainda, outros decretos que vieram estabelecer a necessidade de manter um regime excecional e transitório de reorganização do trabalho e de minimização de riscos de transmissão da infeção da doença COVID-19 no âmbito das relações laborais (Decreto-Lei 79-A/2020, de 01 de outubro).
Pese embora o Código do Trabalho já enquadre, de alguma forma, estas realidades, o certo é que o faz de forma pouco densificada, uma vez que à época da sua publicação estas formas de prestação de trabalho eram, senão longínquas, residuais.
Durante este último ano de massificação do teletrabalho foi possível observar aspetos que necessitam de uma reflexão mais aprofundada e de clarificações à lei atualmente em vigor.
De salientar, contudo, que, as circunstâncias em que, ao longo deste ano, se recorreu a esta forma de prestação da atividade, são diferentes das preconizadas na legislação laboral. Em primeiro lugar não resultaram de um acordo entre as partes. Além disso, foram muitos os casos em que o teletrabalho teve de ser realizado em simultâneo com o acompanhamento a filhos ou a outros dependentes a cargo motivado pela suspensão das atividades educativas e letivas e de outros apoios sociais.
A par da situação excecional provocada por esta nova realidade, que obrigou ao recurso massivo e ao exercício de funções à distância, vivemos nos últimos anos uma alteração profunda da forma como as tecnologias condicionam todos os aspetos da vida. Todos os estudos e especialistas referem que a economia digital e a inteligência artificial, máxime com a introdução da tecnologia 5G, num futuro muito próximo, estarão cada vez mais presentes nas nossas vidas e afetarão irremediavelmente a forma de prestação do trabalho como hoje conhecemos e as relações laborais entre os trabalhadores e empregadores.
Com a pandemia acelerou-se todo este novo paradigma tecnológico.
A atenção geral que foi dada ao trabalho em casa, diversa do teletrabalho, mas não raras vezes confundido com o teletrabalho, nomeadamente porque obrigatório por determinação governamental, veio chamar a atenção para a necessidade do legislador aprofundar a regulamentação destas realidades, que alteram as relações laborais como eram conhecidas até à data e que têm novas implicações que vão para além da mera prestação de trabalho.
Ainda assim, não obstante ter sido fruto das circunstâncias e não da decisão e acordo das partes, logo duma forma mitigada em relação ao escopo que esteve na intenção do legislador aquando da sua criação e posterior revisão, foi possível, ao longo deste ano, perceber que o teletrabalho veio para ficar e que, por isso, nos parece que este será o momento para refletir, pensar e revisitar o regime de teletrabalho previsto no Código do Trabalho.
Recordamos ainda que o Governo mandou elaborar um “Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho”, o qual foi apresentado no passado dia 31 de março.
Ora, e apesar do Governo, que, como se disse, ter mandado elaborar este Livro Verde, numa primeira fase não nos pareceu recetivo a discutir estas matérias em sede de concertação social.
Por tudo isto, entende o Grupo Parlamentar do PSD que o Governo deve prosseguir o diálogo social à mesa da concertação social consolidando as negociações encetadas com os parceiros sociais sobre o Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho, designadamente sobre a matéria do teletrabalho.
E, nessa sede deverá, pois, ser apreciada a eventual necessidade de efetuar alterações ao regime de teletrabalho e a outros matérias relacionadas com o trabalho.
As vertentes a abordar numa reflexão são diversas e estendem-se desde a saúde pública à privacidade individual, ao direito à desconexão – vulgarmente designado como desligamento – à conciliação entre o trabalho e a vida familiar, da posse, custeio e manutenção dos instrumentos de trabalho à segurança e saúde no trabalho, bem como o direito à reparação dos danos provocados por acidentes de trabalho ocorridos no domicílio, passando pela contratação coletiva.
Foi nesse sentido que este grupo parlamentar apresentou um projeto de resolução através do qual recomenda ao Governo que promova com os Parceiros Sociais o debate e acordo necessário com vista a preceder aos ajustes que se mostrem necessários ao regime do teletrabalho e do trabalho dos chamados nómadas digitais.
Contudo, o Grupo Parlamentar do PSD atento à realidade, e sem prejuízo da necessidade de promover o justo enquadramento das novas formas de prestação de trabalho, promove, depois de auscultar os parceiros socias, patronais e sindicais, com o presente projeto de lei, alterações necessárias ao quadro legislativo, no sentido de clarificar e densificar algumas debilidades que se têm sentido na aplicação do regime de teletrabalho.
O objetivo destas alterações é o de, tendo em conta os diversos interesses em causa, dar resposta aos trabalhadores e às entidades patronais, considerando as opiniões e contributos dos parceiros sociais, que respeitamos, pelo seu papel de estabilizador social e com quem contamos para desenvolver o país e preservar a harmonia e paz sociais.
Assim, o PSD propõe que os valores que o empregador tenha que suportar para custear as despesas inerentes ao teletrabalho são, para efeitos fiscais, consideradas como custo para as empresas e não constituem rendimentos para o trabalhador.
Também a reserva da vida privada do trabalhador é alvo de proposta de alteração de modo a que o empregador tenha o dever de respeitar a privacidade do trabalhador e do seu agregado familiar.
Além disso, sempre que o teletrabalho seja realizado no domicílio do trabalhador, a visita ao local de trabalho, só pode ter por objeto o controlo da atividade laboral, bem como dos instrumentos de trabalho e apenas pode ser efetuada na presença do trabalhador e durante o período normal de trabalho.
Por fim, com as alterações aqui propostas pretendemos clarificar e melhor acautelar situações de acidentes de trabalho, introduzindo a flexibilização do conceito de local de prestação de trabalho de forma a prevenir eventuais entropias decorrentes da rigidez que atualmente vigora e que podem culminar em sérios prejuízos para os direitos de trabalhadores e entidades patronais.
Nestes termos e nos mais de direito, constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados do Grupo Parlamentar do PSD apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1º
Objeto
1 – A presente lei procede à 19ª alteração do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro e alterado pelas Leis nºs. 105/2009, de 14 de fevereiro, 53/2011, de 14 de outubro, 23/2012, de 25 de junho, 47/2012, de 29 de agosto, 11/2013, de 28 de janeiro, 69/2013, de 30 de agosto, 27/2014, de 8 de maio, 55/2014, de 25 de agosto, 28/2015, de 14 de abril, 120/2015, de 1 de setembro, 8/2016, de 1 de abril, 28/2016, de 23 de agosto, 42/2016, de 28 de dezembro, 73/2017, de 16 de agosto, 14/2018, de 19 de março, 90/2019, de 4 de setembro, e 93/2019, de 4 de setembro na parte relativa aos regimes de teletrabalho e de trabalho exercido à distância.
2 – O presente diploma altera a lei 98/2009, de 4 de setembro que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais.
Artigo 2º
Altera os artigos 168º e 170º da Lei nº 7/2009 de 12 de fevereiro
Os artigos 168º e 170º da Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro, passam a ter a seguinte redação:
Artigo 168º
(…)
1 – (…)
2 – O contrato deve estipular a quem pertence o serviço de internet e de comunicações necessárias à prestação do trabalho e, na falta de estipulação, presume-se que pertence ao trabalhador.
3 – (…)
4 – As despesas acrescidas relativas ao teletrabalho, serão pagas conforme estabelecido no contrato de trabalho ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, podendo ser definidos critérios e montantes a pagar, designadamente através de um valor certo pecuniário, a entregar ao trabalhador em regime de teletrabalho.
5 – As despesas pagas pela entidade patronal ao trabalhador para custear as despesas inerentes ao teletrabalho são consideradas, para efeitos fiscais, custos para as empresas e não constituem rendimentos para o trabalhador.
Artigo 170.º
(…)
1 – O empregador deve respeitar a privacidade do trabalhador, o horário de trabalho e os tempos de descanso e de repouso da família deste, bem como proporcionar-lhe boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como psíquico.
2 – Sempre que o teletrabalho seja realizado no domicílio do trabalhador, a visita ao local de trabalho, só deve ter por objeto o controlo da atividade laboral, bem como dos instrumentos de trabalho e apenas pode ser efetuada na presença do trabalhador, durante o período normal de trabalho acordado nos termos da alínea c) do nº 4 do artigo 166º.
3 – (…)
Artigo 3º
Alteração à lei nº 98/2009, de 4 de setembro
Secção II
Artigo 8º
(…)
1 – …
2 – Para efeitos do presente capítulo, entende-se por:
a) …
b) …
c) No caso de teletrabalho ou trabalho à distância considera-se local de trabalho, qualquer local que o trabalhador comunique, por escrito, à entidade patronal, independentemente do local que conste no contrato de trabalho, como sendo o local habitual.
3 – O trabalhador em regime de teletrabalho deve comunicar por escrito à entidade patronal qualquer alteração no local da prestação do trabalho da morada constante do contrato de trabalho em teletrabalho.
Artigo 4º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor 30 dias após a sua publicação.
Assembleia da República, 26 de abril de 2021
As/Os Deputadas/os