Projeto de Lei n.º 797/XIV/2.ª – Consagra o Direito ao Desligamento
Consagra o Direito ao Desligamento, procede à 17.ª alteração à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprova o Código do Trabalho.
https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=110673
Em maio de 2017 o CDS inovou na Assembleia da República ao dar entrada de uma iniciativa com vista a reconhecer e efetivar o direito ao desligamento dos trabalhadores e a incluir novas situações admissíveis para o exercício do teletrabalho, bem como regulamentar o exercício do teletrabalho na função pública.
Esta iniciativa que falava, pela primeira vez, do direito ao desligamento, foi rejeitada com o voto de toda a esquerda.
Contudo, e pelas piores razões, concretamente a atual crise pandémica que atravessamos, o tempo veio dar-nos razão e, cada vez mais, estamos convictos que estas matérias carecem de ser reguladas e consagradas em lei.
Em abril de 2020, um inquérito online com europeus conduzida pela Eurofound descobriu que 37% das pessoas empregadas começaram a trabalhar em casa por causa da pandemia. Em 2017, o Eurostat havia estimado que apenas 5% da população ativa da UE trabalhava regularmente em casa.
O número de pessoas que mudaram para o teletrabalho atingiu mais da metade da população ativa na Bélgica, Dinamarca, Luxemburgo e Holanda, e chegou a 60% na Finlândia.
Conforme a página oficial do Parlamento europeu refere, “embora o teletrabalho tenha salvado empregos e permitido que muitas empresas sobrevivam à crise do coronavírus, também esbateu a distinção entre o foro pessoal e o profissional e fez com que muitas pessoas trabalhassem fora do horário normal de trabalho, piorando deste modo o equilíbrio entre a vida profissional e vida privada”.
No referido inquérito da Eurofound, 27% dos entrevistados que trabalham em casa relataram que trabalharam no seu tempo livre para atender aos pedidos de trabalho.
Antes da atual crise pandémica, a França, a Bélgica, a Itália e a Espanha já tinham legislado relativamente aos riscos relacionados à conectividade constante e ao direito de os trabalhadores desconectarem no seu tempo livre.
Conforme consta da página oficial do Parlamento Europeu, “o direito a desligar não está definido na legislação da UE e o Parlamento quer mudar isso. No dia 21 de janeiro de 2021, o Parlamento pediu à Comissão que apresentasse uma lei para permitir aos trabalhadores desligar-se digitalmente do trabalho durante as horas não laborais sem quaisquer consequências e que estabelecesse normas mínimas para o trabalho remoto”.
Com o desenvolvimento tecnológico, existem hoje um conjunto de instrumentos que potenciam a capacidade de trabalho à distância, através do telemóvel, ou outros dispositivos eletrónicos.
Sendo tais instrumentos em si uma oportunidade para ganhos de eficiência indiscutíveis, a verdade é que, quando usados em excesso, representam também uma ameaça para a qualidade de vida e o equilíbrio entre o trabalho e as outras componentes da vida do trabalhador.
Vários estudos e autores dão conta do perigo que representa a ideia de que hoje o trabalhador tem de estar sempre conectado, em rede, que a qualquer momento pode e deve responder a todo e qualquer impulso que lhe chega numa mensagem ou através do correio eletrónico.
Esta realidade aponta para a importância de se preservar o trabalhador de excessos, reforçando a importância do descanso, do distanciamento e das pausas para o próprio equilíbrio da prestação laboral.
Em termos da relação direitos/deveres quer da parte dos empregadores, quer da parte dos trabalhadores, a legislação laboral é bastante desenvolvida e, na globalidade, razoável.
Contudo, no entendimento do CDS, existe um direito fundamental do trabalhador que não está consagrado no Código do Trabalho de forma explícita e que se prende com o direito ao desligamento.
Qualquer trabalhador tem que ter direito a poder dispor de períodos do dia em que não tenha de estar disponível para a entidade empregadora e em que pode utilizar o tempo apenas para seu bem pessoal.
Inclusive em termos de saúde física e mental, o facto de o trabalhador poder desligar-se totalmente das obrigações laborais e considerar como tempo só para si, para as suas atividades de lazer, ajudam a ser um ser mais saudável e a que encare a atividade laboral de forma mais positiva.
Neste sentido, e porque entendemos que um bom ambiente laboral é essencial para a melhoria do mercado de trabalho e, consequentemente, para a qualidade de vida de todos os agentes, nomeadamente para a conciliação entre a vida pessoal e familiar e a atividade laboral, defendemos que deve ficar explicitamente consagrado no Código do Trabalho o direito de o trabalhador dispor de “tempos mortos”, nos quais poderá desconectar-se.
Pelo exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados do CDS-PP abaixo assinados apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei consagra aos trabalhadores o direito ao desligamento, procedendo à 17.º alteração ao Código do Trabalho.
Artigo 2.º
Aditamento ao Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro
É aditado o artigo 214.º-A ao Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, na sua ração atual:
“Artigo 214.º-A
Direito ao desligamento
1 – Os trabalhadores que utilizam ferramentas digitais, incluindo as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), para fins profissionais, têm direito a desligar durante o seu período de descanso diário.
2 – O direito previsto no número anterior não obsta que, em caso de força maior e de urgência, devidamente justificável, o empregador possa contactar o trabalhador.”
Artigo 3.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor 60 dias após a sua publicação
Palácio de São Bento, 8 de abril de 2021 Os Deputados